Principais complicações durante videolaparoscopia

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Cada vez mais, cirurgias laparoscópicas são mais comuns no dia a dia do centro cirúrgico. As cirurgias abertas convencionais vêm sendo deixadas de lado, em detrimento das laparoscopias.

Isso porque as laparoscopias têm benefícios significantes frente às cirurgias abertas, incluindo incisões menores, menores índices de dor pós-operatória, menor risco de transfusão sanguínea ou infecção de ferida e menor tempo de recuperação.

Na prática do anestesiologista, é preciso estar familiarizado com as alterações fisiológicas normais que ocorrem durante a insuflação do pneumoperitônio e saber identificar e tratar prontamente as possíveis complicações.

A insuflação do pneumoperitônio é geralmente instituída com dióxido de carbono (CO2), que é um gás não-inflamável e com alta solubilidade no sangue (bolhas intravasculares de CO2, que podem acontecer durante uma laparoscopia, são mais facilmente reabsorvidas que bolhas de outros gases, como hélio, nitrogênio ou argônio).

  • Efeitos fisiológicos do pneumoperitônio
SISTEMAEFEITOS DA LAPAROSCOPIAMECANISMO
CardíacoDiminuição do Débito Cardíaco
Aumento da Resistência Vascular
Periférica e da Pressão Arterial
Sistêmica Bradiarritmias
Taquiarritmias
Diminuição da pré-carga (retorno venoso) somado ao aumento da pressão intra abdominal
Hipercarbia
Aumento de catecolaminas circulantes
Estímulo vagal por estiramento visceral e diafragmático
Hipercarbia
RespiratórioDiminuição da complacência torácica e pulmonar
Diminuição da CRF
Atelectasias
Aumento na Ppico 
Hipercarbia
Elevação do diafragma
Absorção do CO2
Alteração na relação V/Q
RenalDiminuição do Fluxo Sanguíneo Renal, Taxa de Filtração Glomerular e Débito UrinárioAumento da Pressão Intra
Abdominal
Circulação regionalAumento da Pressão Intracraniana e da Pressão Intra Ocular Hiperemia esplâncnica modestaHipercarbia

Cardiovascular

  • Os efeitos cardiovasculares começam a ficar evidentes quando a pressão intra-abdominal (PIA) se torna maior que 10mmHg.
  • O pneumoperitônio causa compressão da veia cava inferior e represamento de sangue nas extremidades inferiores, gerando diminuição do retorno venoso (RV) e consequente redução do débito cardíaco (DC).
  • Há redução no fluxo sanguíneo renal (FSR), com liberação de vasopressina e ativação do sistema renina-angiotensina e liberação de catecolaminas pela absorção de CO2, resultando em aumento da resistência vascular periférica (RVP).
  • Trendelenburg a 450 em adição à PIA de 12mmHg gera aumento de 2-3 vezes a pressão de enchimento e maior que de 35% na pressão arterial média (PAM).
  • Trendelenburg acentuado (como para prostatectomia radical assistida por robô) gera aumento do RV e no DC, assim opondo-se às modificações do pneumoperitônio.
  • Trendelenburg reverso e posição de litotomia diminui ainda mais o DC por prejudicar ainda mais o RV.
  • Durante a fase de insuflação abdominal, há distensão do peritônio, podendo causar estímulo de reflexo vagal, com bradicardia e até assistolia.
  • Ao fim, com desinsuflação do pneumoperitônio e retorno à posição horizontal, há normalização do DC e da RVP.

Perfusão Regional

  • Pneumoperitônio induz hiperemia esplâncnica devido absorção do CO2.
  • Há redução do FSR, da taxa de filtração glomerular e do débito urinário.
  • Há aumento do fluxo sanguíneo cerebral pelo aumento na pressão parcial de CO2 (PaCO2) até que a hipercarbia seja corrigida. Contudo, Trendelenburg acentuado aumenta a pressão intraocular e a pressão intracraniana – cuidado extra deve ser tomado em pacientes com hipertensão intracraniana ou glaucoma.

Respiratório

  • A insuflação intra-abdominal causa elevação do diafragma, com diminuição da complacência torácica e pulmonar, e diminuição da capacidade residual funcional. Essas alterações aumentam a ocorrência de atelectasia.
  • Anestesia geral combinada com os efeitos respiratórios do pneumoperitônio aumentam o desbalanço na relação ventilação-perfusão pulmonar (V/Q), o que causa diminuição na pressão parcial de O2 (PaO2).
  • Testes de função pulmonar pós-operatórias mostram diminuição no volume expiratório forçado em 1 segundo e na capacidade vital forçada.

Levando em consideração as alterações fisiológicas causadas pelo pneumoperitônio, é importante também conhecer as complicações intraoperatórias que podemos encontrar durante a laparoscopia.

Complicações cardiopulmonares

  • Hipotensão.
  • Bradicardia e assistolia.
  • Hipertensão e taquicardia secundários à hipercarbia, liberação de catecolaminas ou plano anestésico inadequado.
  • Hipotensão persistente ou colapso cardiovascular – pensar em PIA excessiva, embolismo aéreo maciço, pneumotórax.
  • Hipóxia é comum pelo Trendelenburg e desbalanço na relação V/Q. Porém, hipóxia persistente é incomum – pensar em manobras de recrutamento pulmonar, uso de PEEP, diminuição da PIA, suspeitar de intubação endobrônquica, aspiração pulmonar, pneumotórax.
COMPLICAÇÃOMECANISMO
HipotensãoDiminuição do RV
HipertensãoHipercarbia

Fatores neuro-humorais
BradiarritmiasReflexo vagal ao estiramento do peritônio
TaquiarritmiasHipercarbia
Colapso cardiovascularArritmias (taqui/bradiaritmias)

Perda sanguínea

Embolismo aéreo

Capno/pneumotórax

Capnomediastino

Isquemia cardíaca

Pressão de insuflação abdominal excessiva (aumento excessivo na PIA)

Hipercapnia

Complicações cirúrgicas

  • Extravasamento de CO2
    • Enfisema subcutâneo – complicação mais comum da insuflação extra-peritonial de CO2.
    • Capnotórax, capnomediastino, capnopericárdio.
    • Tratamento: desinsuflação do pneumoperitônio. Em caso de enfisema cervical, aumento de PaCO2 e da pressão expiratória final de CO2 (PetCO2), pensar em capnotórax. Capnotórax sem instabilidade hemodinâmica pode ser tratado de forma conservadora. Capnotórax hipertensivo cursa com alteração hemodinâmica e deve ser drenado. Capnomediastino e capnopericárdio são complicações raras, diagnosticadas pelo Rx de tórax e tratados com desinsuflação do pneumoperitônio e medidas de suporte até resolução espontânea.
  • Embolização aérea de CO2
    • Complicação grave e rara. Geralmente ocorre quando há insuflação de CO2 diretamente dentro de um vaso ou de um órgão sólido, com migração intravascular do gás.
    • Como o CO2 possui alta solubilidade, grandes quantidades podem ser diluídas no sangue e eliminadas pelos pulmões. Portanto, pequenas quantidades de CO2 podem ser absorvidas sem maiores impactos além da elevação da PetCO2. Mas embolização de grandes quantidades de CO2 pode impedir o retorno venoso para o coração, gerando dilatação de ventrículo direito, insuficiência cardíaca direita aguda e colapso cardíaco.
    • Pacientes com forame oval patente e grandes aumentos de pressão em átrio direito podem evoluir com embolismo paradoxal e lesões neurológicas por embolização cerebral.
    • Deve-se suspeitar de grandes embolizações de CO2 quando há hipotensão súbita, acompanhada de queda de PetCO2, durante insuflação de pneumoperitônio.
    • Tratamento: cessamento da insuflação e desinsuflação imediata do pneumoperitônio, colocação do paciente em céfalo-declive, decúbito lateral esquerdo (medidas para limitar migração dos êmbolos para a artéria pulmonar), hiperventilação e suporte hemodinâmico.
  • Outras complicações cirúrgicas
    • Lesão vascular, de alças de intestino ou de bexiga pode ocorrer durante a inserção de trocáter ou da agulha de Veress.
    • Lesões de grandes vasos têm baixa incidência (0,02-0,03%), mas pode ser catastrófico se ocorrer lesão de aorta, de veia cava inferior ou de vasos ilíacos, causando hemorragia massiva. Caso ocorra, o trocáter deve ser deixado no lugar, para tamponar o sangramento até que o abdome seja aberto para reparo do vaso.
    • Lesão de alça intestinal (de intestino grosso e delgado) ou de outro órgão (estômago, duodeno) ocorre em até 0,4% das laparoscopias e são resultados de trocáter mal localizado. Cirurgias abdominais e aderências prévias aumentam a chance de que isso ocorra. A maioria das lesões de alça permanece indetectável até o pós-operatório, quando há o desenvolvimento de peritonite.
  • Hipotermia

Hipotermia severa é um risco porque, associado aos mecanismos conhecidos de perda de calor durante a anestesia, a insuflação é feita com CO2 frio (a cerca de 230C), causando perda adicional de calor. Para minimizar a perda de calor, pode-se restringir o fluxo do CO2 e aquecer o paciente com cobertores de ar aquecido forçado nas extremidades superiores e inferiores.

  • Complicações relacionadas ao posicionamento
    • Lesões de nervos e de partes moles são sérias e podem ser prevenidas. Os pacientes que estão em maior risco são aqueles submetidos a cirurgias robóticas em Trendelenburg acentuado.
    • O uso de coxins nos ombros dos pacientes para evitar o deslocamento cefálico pode resultar em lesões de plexo braquial e de tecidos moles.
    • Trendelenburg somado ao movimento cefálico do diafragma podem levar à movimentação do tubo endotraqueal e à intubação endobrônquica.
    • Trendelenburg acentuado durante horas de procedimento pode causar edema facial e cervical. Com isso, pode haver comprometimento de perviedade de vias aéreas pós-extubação e, em casos raros, cegueira secundária à isquemia de nervo óptico.
COMPLICAÇÃOMECANISMODIAGNÓSTICOCONDUTA
Enfisema subcutâneoInsuflação extraperitonial no subcutâneo ou pré-peritonial ou no tecido retroperitonial

Extensão da insuflação extraperitonial
Aumento repentino de CO2

Crepitação

No pós-operatório, haverá sinais de hipercarbia (taquicardia, hipertensão, sonolência)
Desinsuflação do abdômen
CapnotóraxDissecção do CO2 insuflado ao redor da aorta, veia cava ou hiato esofágico pelo diafragma até o mediastino com ruptura para o espaço pleural

Dissecção do CO2 através de defeitos diafragmáticos

Lesão diafragmática na inserção da agulha de Veress
Alta suspeição (enfisema subcutâneo no pescoço), local do procedimento cirúrgico

Aumento da Ppico

Diminuição da SatO2

Aumento da EtCO2

Hemidiafragma abaulado

Se capnotórax hipertensivo, há hipotensão, diminuição da EtCO2 e colapso cardiovascular

Confirmação por Rx de tórax
Descontinuação de N2O

Hiperventilação

Aplicar PEEP
Capnomediastino / capnopericárdioMesmo que capnotóraxAlterações hemodinâmicas

Confirmação por Rx de tórax
Desinsuflação do abdômen

Suporte hemodinâmico

Hiperventilação
Intubação endobronquialMigração cefálica da carinaAumento acentuado da PpicoReposicionamento do TOT
Embolismo aéreoColocação da agulha de Veress em um vaso sanguíneo

Passagem de CO2 na parede abdominal e em vasos peritoniais
Hipoxemia

Hipotensão

Diminuição de EtCO2

Arritmias ou insuficiência de VD
Desinsuflação do abdômen

Terapia de suporte

ressuscitação cardiovascular

Hiperventilação

Resumindo:

Cirurgias laparoscópicas apresentam muitas vantagens sobre as cirurgias abertas convencionais, incluindo mobilização precoce, tempo de internação mais curto e recuperação mais rápida.

Contudo, é preciso ter em mente todas as alterações hemodinâmicas e pulmonares que o pneumoperitônio normalmente causa nos pacientes.

Os procedimentos laparoscópicos são realizados, em sua maioria, sob anestesia geral para garantir a imobilidade, adequada ventilação e para prevenir a dor da distensão peritoneal.

A maioria das complicações são secundárias à insuflação do pneumoperitônio (principalmente se com pressões acima de 15mmHg) ou à colocação inadequada dos trocáteres.

Apesar das possíveis complicações, a cirurgia laparoscópica tem se provado segura e altamente efetiva na redução de morbidade cirúrgica e velocidade de recuperação.

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